- Agora o
que, Leila?
- O que é
que a gente faz a respeito do Bruno, ora!
- Aceita.
- Mas é só
isso que você tem a dizer?
- Uai, o que
mais eu posso dizer? Já viu alguma bicha voltar a ser homem?
- Não fala
assim, Paulo. Ele é nosso filho!
- Agora é
filha...
- Pára! Não
sei como você pode brincar com uma coisa dessas! Já tomei dois Lexotan do
jantar até agora.
- É... Ele
podia pelo menos ter escolhido outra hora pra anunciar. Logo no jantar! Sua
tia, com o susto, engoliu o garfo e a peruca do seu tio caiu no macarrão.
- Não
brinca! Não sei como você pode estar assim tão tranqüilo. Pensei que fosse voar
no pescoço do Bruno.
- É que eu
já sabia.
- Sabia?
- Quer
dizer, desconfiava muito.
- E por que
não me falou?
- Eu tentei
várias vezes, mas você desconversava.
- Mentira!
Você nunca me falou nada!
- Falei sim!
Lembro até de uma vez na casa as sua mãe, quando disse que o Bruno era muito
parecido...
- Com o
Chico! Sabia que ia sobrar pra ele!
- É, e você
não me deixou continuar a falar. Eu ia falar das semelhanças entre tio e
sobrinho, o tipo de herança genética que nosso filho teve da sua família...
- Tinha que
ser, né Paulo? Agora o Bruno é homossexual por causa da minha família?
- E não?
Qual a única bichona que a gente tem na família?
- Como você
é grosso! Isso não é hereditário. Pode ser psicológico...
-
Sem-vergonhice...
- Não fala
assim! O Bruno sempre foi um bom filho, talvez a falha tenha sido nossa até.
- E eu acho
que foi mesmo. Só não entendo porque ele demorou tanto pra assumir.
- Claro!
Você sempre foi tão rigoroso com ele! Lembra o que nossos amigos diziam sobre
sua forma de educar?
- É, me
chamavam de carrasco... Mas Leila, ele já está com quase 30 anos, não dava pra
ele ter decidido se queria ser menino ou menina antes?
- Ai, pára
de deboche!
- Agora
sério: eu até andei levando seu filho...
- Nosso!
- ...Nosso
filho, há uns 10 anos, a um endocrinologista por causa da minha desconfiança,
mas o cara é hormonalmente normal.
-
Hornormalmente mornal? Xiii, péra: hor-mo-nal-men-te nor-mal! É o Lexotan
enrolando minha língua.
- É. Nada
físico. E parece que nada psicológico também, ele está tão feliz da vida. Por
isso que eu disse que era sem-vergonhice mesmo. Acho que ele tem até um
namorado novo...
- Paulo,
pára! Eu tô falando sério! Logo agora que eu tava alimentando a idéia de ser
avó... Você não queria ser avô?
- Queria
sim, mas quem sabe agora eu poderia ser avó?
- Como você
é cruel! Mas ao mesmo tempo estou te achando tão conformado...
- Não é
crueldade, Leila. Estou levando numa boa. Como eu disse antes, nunca vi bicha
voltar da purpurina. E como já dizia meu pai: “se a curra é inevitável, relaxe
e goze”. De mais a mais você vai lucrar muito com isso.
- Com isso o
que, Paulo?
- Com a
viadagem do nosso filho.
-
Homossexualidade, por favor!
- Tá, eu
tinha esquecido que viado é o filho do vizinho, o nosso é homossexual...
- Pára! Mas
como é que é isso de eu lucrar com essa situação?
- Muito
simples: bicha adora a mãe. Não vê seu irmão com a sua mãe? Ela adora o Chico,
e ele tem veneração por ela, faz tudo pra ela. Leva ao cinema, ao teatro, vai
andar na praia com ela, leva ao médico, experimenta os vestidos dela...
- Menos!
- Afinal o
primeiro sutiã que ele usou deve ter sido dela...
- Paulo!...
- Agora
sério: já pensou em quando você ficar velhinha e ter sempre por perto seu
filho, uma companhia carinhosa, prestativa e constante? Eu nem vou precisar
colocar você no asilo...
- Olha,
apesar do seu sarcasmo, sabe que fiquei mais calma agora? Será que você tem
razão?
- Pode escrever que sim. Assino embaixo.