terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Negão

- Fala zé-arruela!
- Fala boiola, chega mais! Deixa eu te apresentar aqui: o Adilson você já conhece; esse aqui é o Negão e, do lado dele, o Piu-Piu.
- Falou gente boa! Tudo certo? Essa mala me apresentou a vocês, só que não disse quem eu sou. Acabei de chegar agora com a irmã desse cara. Infelizmente sou cunhado dessa praga, mas não é culpa minha não!
- O Cascão já tinha falado de você, teu nome é Roni, né? Mora em Ipanema...
- Porra! Meu dossiê já tá nas bocas? Mas peraí, quem é Cascão?
- É o teu cunhado, que come goiabada cascão com cerveja, tu não sabia?
- Só se for goiabada mesmo. Ele quando bebe cerveja não come ninguém!
- E o que que é dossiê, branco?
- Folha-corrida, a ficha.
- Ah, falou... Neguinho de Ipanema tem sempre uma novidade estrangeira.
- Num fode! Tem cerveja de gente aqui?
- Ó aqui. Pega um copo pro cara, Benjamin.
- Peraí, eu falei cerveja de gente! Eu quero é uma Antarctica! Não vai botar Brahma que eu não bebo!
- Porra! Pra quem vem de fora tu é meio cheio de marra né?
- Cheio de marra não, Negão! Só tô sendo sincero. Ou você quer que eu beba o que não gosto? E além de tudo eu não vim de fora. Tem dez anos que sempre que venho na casa da sogra freqüento esse boteco com o cunhadão e o Adilson. Acho que vocês é que vieram de fora, tem só uns seis meses que não venho aqui e nunca vi vocês antes, logo, quem é mais de fora?
- Roni, pega leve... Já chegou mamado?
- Ih, qualé cunhado? Tô mentindo?
- Não, mas você mal conhece os caras e já vem cheio de argumento.
- Porra, quem tá muito cheio de argumento é você. Ô Negão, falei alguma besteira?
- Tá limpo, branco. Não esquenta.
- Tá vendo, bundão? Agora vamos beber. Ô seu Beja, bota uma pra mim aqui. Antarctica!
- Essa eu não pago!
- Ué, tá patrocinando, Negão? Perdeu na porrinha?
- Não, hoje num tem porrinha. Num jogo essa porra.
- Porra não, porrinha! Mas só porque você não joga ninguém joga?
- Hoje é só no lero. Fica frio.
- Tá certo, só no lero. Mas Negão, tu não paga a minha por que?
- Tava de onda, pago sim. Não devia, porque essa cerva é ruim pra daná e tu tá cheio de marra.
- Ele é assim mesmo, Negão. Só não é mais folgado por  falta de espaço! Mas no fundo é boa gente.
- Falou Cascão! Roni, vamo lá no fundo que eu quero ver se tu é boa gente mesmo...
- Tá doido cara? O que que eu vou fazer lá dentro com um negão feio que nem você? Me deixa aqui fora mesmo!
- Tu me acha feio assim, branco?
- Pra cacete! Além de tudo, lá no fundo tá escuro e como é que vou te enxergar? Se ao menos você tivesse um dente... Aliás, todo crioulo deveria ter só dois dentes: um pra roer osso e outro pra gente abrir cerveja!
- Roni, chega! Tu não conhece o cara...
- Fica na tua Cascão, deixa O Roni comigo.
- Eu hem, Negão? Vou ficar contigo pra que?
- Papo sério, chega aqui dentro.
- Cunhado, acho que vou comer um crioulo, mas se eu gritar, corre lá dentro que eu perdi a parada e não quero ver a coisa preta não!
- Vamo lá, branco.
- Tô indo.
- Aqui tá bom. Seguinte: lembra uns remédios que o Cascão te pediu mês passado?
- Lembro sim, por que? Era pra você?
- Não, era pro meu filho, ele tava malzão de bronquite.
- Sei... E ele melhorou?
- Agora tá beleza! Queria te agradecer e pagar.
- Quéisso Negão! Aqueles remédios eu tenho pra distribuir mesmo. Agora tu tem que fazer uma coisa: vou te dar meu cartão e tu marca uma hora lá no meu consultório pro teu filho. Ele tem que começar um tratamento. É longe mas com saúde de filho não se brinca!
- Deixa comigo. A mãe dele vai levar.
- E por que tu não vai com ele? Tá com vergonha de mostrar essas gengivas em terra de branco, crioulo?
- Né não, branco. É que sou gerente da parada aqui e não posso sair.
- Parada? Que parada?
- A boca, branco! Vendo pó da melhor qualidade. Num dá pra eu sair da área porque os homi me grampeia! Roni... Ô Branco levanta!... Cascão, corre aqui que eu acho que teu cunhado desmaiou!