segunda-feira, 11 de abril de 2011

Derrières et molières

- Como é que a gente pede isso?

- E eu sei lá? Bem que avisei que vir aqui era uma furada!

- Ih benhê, tem que aprender, afinal agora a gente é emergente.

- Pára com esse papo, a gente só se mudou ontem e você já se acha emergente! Não sou porra nenhuma! Bem que eu queria ficar lá no Rancho Novo mesmo porque essa merda de dinheiro da mega-sena só trouxe confusão até agora. Domingo tinha até fila pra entrar lá em casa! Parecia que eu era o Chico Xavier dando consulta.

- Fala baixo, olha o palavrão, olha o vexame! Isso aqui é um restaurante fino!

- E que adianta ser fino se a gente não consegue saber o que tem pra comer?

- Calma, chama o tal do métre que ele explica.

- O que é isso?

- É aquele ali olhando pra gente. É uma espécie de chefe dos garçons, sei lá...

- Ô da gravata, chega mais!

- O que é isso, bem? Chama o métre direito!

- Ah, ele entendeu, tá vindo.

- Pois não, senhor?

- Explica esses breguetes aqui. Traduz que a fome tá braba e não dá pra entender mer..., quer dizer, coisa nenhuma.

- Bom, aqui temos as entradas.

- Onde?

- Aqui, senhor.

- E pra que que eu vou querer entrada se a gente já tá dentro?

- Não é isso, senhor. A entrada faz parte do nosso menu degustação.

- Ah, é de comer?

- Sim, senhor. Aqui temos as entradas frias, por exemplo a “terrine de poullet aux herbes avec émulsion de sauce crustacés à l’huile de noix”.

- Caralho!

- Ribamar!

- Desculpe, mas é muito nome esquisito. E o que é esse palavrão todo?

- São filezinhos de frango com ervas temperados com uma emulsão de molho de camarões ao azeite de nozes. Temos também “spirale de foie gras au chutney de...”

- Pára, pára! Vou ficar no franguinho. Tá bom pra você também, Rê?

- Eu queria um peixe...

- Não complica, Rê!

- Perdão, senhor, mas a senhora pode pedir um peixe como “pièce de resistence”.

- Hã?

- Perdão, senhora, prato principal. Temos este aqui que é um filé de dourado grelhado com bolo de batatas ao queijo de cabra.

- Ah, ótimo! Mas o senhor podia falar isso em francês? Achei tão bonito...

- Pois não: filet de dorade avec galette de pomme de terre au fromage de chèvre.

- Lindo...

- E o senhor, prefere carne ou peixe?

- Vou numa carninha mesmo. Tem bife com fritas?

- Ribamar, bife com fritas aqui?

- Ué, que que tem?

- Senhor, posso sugerir um “coeur de filet de boeuf à la moelle et ciboulette”, que é a parte central do filé-mignon grelhada com tempero de tutano e cebolinhas.

- Detesto cebola!

- Posso sugerir uma carne de caça?

- Manda!

- É o “émincé de rognon de cerf...”.

- Pode ir traduzindo...

- Perdão. Rim de veado fatiado com molho rosé.

- Esse mesmo! Rê, vou comer um viado!

- Fala baixo, Riba!

- Perdão, senhor, e a sobremesa?

- Depois a gente escolhe! Cansei de ouvir derriérres e moliérres.

- E para beber?

- Um chopinho pra mim e um grapete pra ela.

- Perdão, senhor, não temos chope e nem grapete. Quer que lhe traga a carta dos vinhos?

- Carta?

- Sim senhor, a nossa seleção de vinhos. Temos os melhores franceses aqui.

- Ah, não! Lá vem você com esses derriérres de novo, me poupe. Já vi uns nomes de vinhos franceses e são piores que os pratos.

- Nós temos vinhos de outras procedências também, igualmente excelentes.

- Não tem Sangue de Boi?

- Não senhor.

- Então escolhe um pra mim. A madame aqui não bebe, traz um guaraná pra ela. Guaraná vocês têm, né?

- Temos sim senhor, com sua licença.

- Rê, reparou quantas vezes o cara pediu perdão?

- É educação, Riba.

- É fino pedir perdão?

- É, Riba, é...

- Então aquelas velhas broacas lá do Rancho Novo, inclusive a tua mãe, devem ser finas pra cacete.

- Por que?

- Vivem lá na igreja pedindo perdão...

- Ai Riba, que maldade!

- Ih! Olha só o baldão de gelo que estão trazendo, será que é tudo isso só pro seu guaraná e o meu vinho? Será que tá tudo quente?

- Espera. Não faz nada porque os garçons vão servir e a gente vê pra que é o gelo.

- Senhor, seu vinho. É um Merlot 98 Carneros, um vinho americano da mais alta qualidade.

- Americano? Mas aqui não é tudo francês?

- Não, senhor. Os vinhos, nós temos de todas as procedências, e esse merlot é absolutamente fantástico.

- Não tá encalhado? 98 não é o ano de fabricação?

- É, senhor, mas os vinhos mais velhos normalmente são os melhores, e 98 foi uma safra excelente nos Estados Unidos, que já estão fabricando vinhos comparáveis aos melhores franceses.

- Já ouvi falar nisso...

- Da safra?

- Não, da velhice dos vinhos. Mas vai lá, mete bronca!

- Posso abrir, senhor?

- Claro!

- Com licença...

- E o balde de gelo, o que eu faço com ele?

- Ah sim, senhor. É para manter a temperatura do seu vinho que já veio climatizado a 13 graus da nossa adega.

- Você vai despejar todo o vinho aí? Vai ficar aguado...

- Não, senhor. Apenas a garrafa vai ficar acondicionada no balde. Com licença, a sua taça.

- Só isso? Pode botar mais! Na régua!

- Perdão, senhor, não vai provar?

- Provar o que? Uma gotinha de vinho dessas não dá nem pra encher o buraco do dente!

- Riba, bebe isso logo. É chique o homem dar esse golinho antes e depois fazer que sim com a cabeça pra depois o métre colocar mais. Eu vi na novela.

- Tá bom... Pronto seu métre, manda ver!

- Pois não senhor.

- Rê, tô mortinho de fome. Será que o franguinho vai demorar?

- Calma Ribamar, curte o vinho, o ambiente, a música...

- Será que o pianista não sabe nada do Zezé de Camargo?

- Acho que não. Aqui é só música de bacana, estrangeira, tipo Julio Iglésias, Elvis Prestes, Maicom Jéquisson...

- Música de boiola.

- Fica quieto que acho que nossa comida tá chegando.

- Boas falas!

- Com licença senhor, sua entrada.

- Mete bronca!

- Olha que lindo, Riba!

- Lindo o que?

- O prato.

- O prato é lindo, mas o que tem dentro tá feio. Pouco pra dedéu!

- Riba, isso é só a entrada, é pouco mesmo, mas a decoração é linda!

- Tá, é linda, minha fome também é linda, é tudo lindo... Parece o Caetano!

- Não enche!

- Pronto, acabei. Vou pedir pro cara trazer o meu rango logo.

- Calma, a péce da registrance já vem, e de mais a mais ele não vai trazer enquanto eu não terminar.

- Até você com esse francês agora? Então anda logo!

- Tem que aprender, né?

- Já acabou de comer esse pinto?

- Tô acabando, e não é pinto, é pulê. E de mais a mais é chique comer devagar.

- Chique!... Agora vou ter que aturar isso, tudo tem que ser chique...

- Ah, faz um esforço, meu bem. Procura olhar as pessoas em volta, presta mais atenção nas novelas...

- Que novela, mulher, põe a cabeça no lugar! Acho que esse dinheiro te pirou. Acabou?

- Acabei.

- Garçom, vem cá!

- Olha a grossura, Riba... E não é garçom, ele é métre, já te falei!

- Pois não, senhor.

- Pode tirar aqui e trazer o resto da comida.

- Pois não, senhor.

- Ah, uma coisa: qual é seu nome? Eu me enrolo todo com esse negócio de mitre, garçom... Prefiro te chamar pelo nome.

- Meu nome é Ribamar, senhor.

- Xará! Vai dizer que é maranhense também?

- De São Luís, senhor.

- Sabia! Essa corzinha, essa cabecinha...

- Meu bem, deixa o métre trabalhar...

- Tá bom, vai lá conterrâneo!

- Com sua licença, senhor.

- Tinha que dizer das suas, né Riba?

- Das minhas o que?

- Chamar o métre de xará, dar intimidades...

- Intimidades? Só porque chamei o cara de conterrâneo e xará?

- Tá, esquece. Os pratos vêm aí.

- Ôba! Já tô com o bucho dando nó.

- Com licença, senhora, seu peixe.

- Obrigada.

- Com licença, senhor, sua carne de caça.

- Meu viadinho? Maravilha!

- Bom apetite.

- Falou xará!

- Riba...

- Que foi Regina?

- Pára de olhar pra perua aí do lado e vê só o tamanho do prato.

- Já vi, é grande, né?

- Riba, pára de olhar e vê só a quantidade de comida que veio...

- Puta merda!

- Shhhhh! Menos...

- Menos é o cacete! Esses caras tão pensando que eu sou passarinho?

- Tá pouco, né Riba?

- Pouco? Só pode ser sacanagem!

- Espera, pode ser que venha mais.

- Que mais que nada, essas titicas já vieram no prato!

- Vai ver que a gente pode repetir!

- Vou perguntar: ô conterrâneo, chega mais!

- Pois não, senhor?

- Xará, a gente pode repetir a comida?

- Senhor, as quantidades são essas que vêm servidas, se o senhor quiser repetir, o prato será computado na nota.

- Ô cara, como é que um maranhense como você trabalha numa birosca dessas? Você enche seu pandulho só com isso? Hem? Responde xará!

- Senhor, não posso fazer nada. São as normas da casa.

- Normas porra nenhuma, isso aqui é um assalto mesmo. Traz a nota e rápido!

- Mas o senhor não vai nem provar o prato?

- Já provei! Tem gosto de bosta de gato.

- Benhê, você já comeu bosta de gato?

- Num sacaneia você também! Traz a nota, xará.

- Desculpe, senhor, com licença.

- Tem toda.

- Que coisa né, bem? Nem eu que como pouco acreditei.

- Você come pouco? Só rindo! Bem que eu falei que era a maior furada vir aqui. E agora? Tô com fome...

- Benhê, promete que não vai me gozar se eu sugerir uma coisa?

- Vai lá, prometo.

- Vamos lá no Rancho Novo comer aquela dobradinha do Severino? Hoje é dia...

- Chupeta! Até que enfim você disse alguma coisa que preste, fechado!