segunda-feira, 11 de abril de 2011

Amália

- O próximo!

- É eu!

- Seu nome, por favor.

- Adilsom.

- Com “ene”?

- Não, senão fica Nadilsom, né?

- No final, senhor.

- No final de que? Eu já esperei tanto tempo aqui nessa fila e vou ter que voltar pro final?

- Perguntei se o seu nome tinha “ene” no final.

- Ah, não! Com “mê”.

- O que mais?

- Mais nada, ué. “A”, “dê”, “i”, “lê”, “si”, “o”, “mê”.

- O nome, senhor. Nome completo.

- Ah, sim. Adilsom dos Santos Bezerra.

- Endereço?

- De onde?

- Da sua residência.

- Qual delas?

- Como qual delas? O senhor tem mais de uma?

- Tenho duas. Uma em São Gonçalo e outra em Caxias.

- Mas onde o senhor mora?

- Nas duas. De segunda a quinta em Caxias e de sexta a domingo em São Gonçalo. A senhora sabe, né? Uma é de lei, onde moro com minha mulher de papel, e a outra é contrabando.

- Mulher de papel, como assim?

- É. Casei com a Neusa, e tenho a Eliete de amália.

- O senhor quer dizer amásia, não é?

- Isso, isso.

- Então me dê o endereço da sua esposa, a do papel.

- Ih, esse não sei não! É numa favela nova, nem sei se tem nome. Mudei faz pouco.

- Então o da outra.

- Que outra?

- Da amásia, seu Adilsom...

- Não é outra não, é a mesma desde oitenta e sete.

- Eu sei, seu Adilsom, diga o endereço dela, por favor.

- E como é que a senhora sabe que eu estou com ela esse tempão todo?

- Quem disse que eu sei, seu Adilsom? Eu só quis dizer que sabia que era da dona Eliete...

- Sei lá, dona! Esses computador tem coisa que só o cão sabe!

- O endereço, por favor. Olha o tempo!

- Tá chovendo, a senhora vai ter que...

- O tempo do relógio! Eu quero o endereço!

- Calma, eu num tava entendendo! É rua C, casa 45, quadra 7, lote 2.

- Bairro.

- Jardim Liberato.

- Cidade?

- Caxias.

- CEP.

- Hem?

- O número do CEP da casa.

- Sei o que é isso não...

- Deixa, eu procuro depois. O senhor nasceu onde?

- Em casa, eu e meus irmão tudo. A parteira foi a mesma que...

- A cidade, seu Adilsom!

- Ah, num foi na cidade, foi na roça mesmo.

- O município, então.

- Sei não.

- O nome da cidade mais perto então.

- Perto de onde?

- De onde o senhor nasceu.

- Coxixola.

- O senhor tem certeza que existe essa cidade?

- Bom, até eu vir aqui pro Rio ela existia.

- E onde ela fica?

- Pertim de onde eu nasci.

- Eu sei, mas em que estado fica?

- Paraíba.

- Sexo masculino...

- Muito macho sim senhora! Tenho sete fi...

- Por favor, seu Adilsom! De quanto o senhor precisa?

- Preciso pra que?

- O empréstimo! De quanto é?

- Uai, é tão caro assim pra eu precisar empréstimo?

- Caro o que, seu Adilsom?

- Pra entrar no banheiro.

- Que banheiro?

- Vocês não têm banheiro aqui?

- Tem, claro! É ali atrás, mas não entendo o que isso tem a ver com o empréstimo.

- Eu também não. Eu queria só perguntar onde era o banheiro, mas a senhora veio logo querendo saber um monte de coisa... Eu quero mesmo é dar uma boa barrigada. Dá licença que tá brabo, depois a gente conversa do tal do empréstimo.