- Como é que a gente pede isso?
- E eu sei lá? Bem que avisei que vir aqui era uma furada!
- Ih benhê, tem que aprender, afinal agora a gente é emergente.
- Pára com esse papo, a gente só se mudou ontem e você já se acha emergente! Não sou porra nenhuma! Bem que eu queria ficar lá no Rancho Novo mesmo porque essa merda de dinheiro da mega-sena só trouxe confusão até agora. Domingo tinha até fila pra entrar lá em casa! Parecia que eu era o Chico Xavier dando consulta.
- Fala baixo, olha o palavrão, olha o vexame! Isso aqui é um restaurante fino!
- E que adianta ser fino se a gente não consegue saber o que tem pra comer?
- Calma, chama o tal do métre que ele explica.
- O que é isso?
- É aquele ali olhando pra gente. É uma espécie de chefe dos garçons, sei lá...
- Ô da gravata, chega mais!
- O que é isso, bem? Chama o métre direito!
- Ah, ele entendeu, tá vindo.
- Pois não, senhor?
- Explica esses breguetes aqui. Traduz que a fome tá braba e não dá pra entender mer..., quer dizer, coisa nenhuma.
- Bom, aqui temos as entradas.
- Onde?
- Aqui, senhor.
- E pra que que eu vou querer entrada se a gente já tá dentro?
- Não é isso, senhor. A entrada faz parte do nosso menu degustação.
- Ah, é de comer?
- Sim, senhor. Aqui temos as entradas frias, por exemplo a “terrine de poullet aux herbes avec émulsion de sauce crustacés à l’huile de noix”.
- Caralho!
- Ribamar!
- Desculpe, mas é muito nome esquisito. E o que é esse palavrão todo?
- São filezinhos de frango com ervas temperados com uma emulsão de molho de camarões ao azeite de nozes. Temos também “spirale de foie gras au chutney de...”
- Pára, pára! Vou ficar no franguinho. Tá bom pra você também, Rê?
- Eu queria um peixe...
- Não complica, Rê!
- Perdão, senhor, mas a senhora pode pedir um peixe como “pièce de resistence”.
- Hã?
- Perdão, senhora, prato principal. Temos este aqui que é um filé de dourado grelhado com bolo de batatas ao queijo de cabra.
- Ah, ótimo! Mas o senhor podia falar isso em francês? Achei tão bonito...
- Pois não: filet de dorade avec galette de pomme de terre au fromage de chèvre.
- Lindo...
- E o senhor, prefere carne ou peixe?
- Vou numa carninha mesmo. Tem bife com fritas?
- Ribamar, bife com fritas aqui?
- Ué, que que tem?
- Senhor, posso sugerir um “coeur de filet de boeuf à la moelle et ciboulette”, que é a parte central do filé-mignon grelhada com tempero de tutano e cebolinhas.
- Detesto cebola!
- Posso sugerir uma carne de caça?
- Manda!
- É o “émincé de rognon de cerf...”.
- Pode ir traduzindo...
- Perdão. Rim de veado fatiado com molho rosé.
- Esse mesmo! Rê, vou comer um viado!
- Fala baixo, Riba!
- Perdão, senhor, e a sobremesa?
- Depois a gente escolhe! Cansei de ouvir derriérres e moliérres.
- E para beber?
- Um chopinho pra mim e um grapete pra ela.
- Perdão, senhor, não temos chope e nem grapete. Quer que lhe traga a carta dos vinhos?
- Carta?
- Sim senhor, a nossa seleção de vinhos. Temos os melhores franceses aqui.
- Ah, não! Lá vem você com esses derriérres de novo, me poupe. Já vi uns nomes de vinhos franceses e são piores que os pratos.
- Nós temos vinhos de outras procedências também, igualmente excelentes.
- Não tem Sangue de Boi?
- Não senhor.
- Então escolhe um pra mim. A madame aqui não bebe, traz um guaraná pra ela. Guaraná vocês têm, né?
- Temos sim senhor, com sua licença.
- Rê, reparou quantas vezes o cara pediu perdão?
- É educação, Riba.
- É fino pedir perdão?
- É, Riba, é...
- Então aquelas velhas broacas lá do Rancho Novo, inclusive a tua mãe, devem ser finas pra cacete.
- Por que?
- Vivem lá na igreja pedindo perdão...
- Ai Riba, que maldade!
- Ih! Olha só o baldão de gelo que estão trazendo, será que é tudo isso só pro seu guaraná e o meu vinho? Será que tá tudo quente?
- Espera. Não faz nada porque os garçons vão servir e a gente vê pra que é o gelo.
- Senhor, seu vinho. É um Merlot 98 Carneros, um vinho americano da mais alta qualidade.
- Americano? Mas aqui não é tudo francês?
- Não, senhor. Os vinhos, nós temos de todas as procedências, e esse merlot é absolutamente fantástico.
- Não tá encalhado? 98 não é o ano de fabricação?
- É, senhor, mas os vinhos mais velhos normalmente são os melhores, e 98 foi uma safra excelente nos Estados Unidos, que já estão fabricando vinhos comparáveis aos melhores franceses.
- Já ouvi falar nisso...
- Da safra?
- Não, da velhice dos vinhos. Mas vai lá, mete bronca!
- Posso abrir, senhor?
- Claro!
- Com licença...
- E o balde de gelo, o que eu faço com ele?
- Ah sim, senhor. É para manter a temperatura do seu vinho que já veio climatizado a 13 graus da nossa adega.
- Você vai despejar todo o vinho aí? Vai ficar aguado...
- Não, senhor. Apenas a garrafa vai ficar acondicionada no balde. Com licença, a sua taça.
- Só isso? Pode botar mais! Na régua!
- Perdão, senhor, não vai provar?
- Provar o que? Uma gotinha de vinho dessas não dá nem pra encher o buraco do dente!
- Riba, bebe isso logo. É chique o homem dar esse golinho antes e depois fazer que sim com a cabeça pra depois o métre colocar mais. Eu vi na novela.
- Tá bom... Pronto seu métre, manda ver!
- Pois não senhor.
- Rê, tô mortinho de fome. Será que o franguinho vai demorar?
- Calma Ribamar, curte o vinho, o ambiente, a música...
- Será que o pianista não sabe nada do Zezé de Camargo?
- Acho que não. Aqui é só música de bacana, estrangeira, tipo Julio Iglésias, Elvis Prestes, Maicom Jéquisson...
- Música de boiola.
- Fica quieto que acho que nossa comida tá chegando.
- Boas falas!
- Com licença senhor, sua entrada.
- Mete bronca!
- Olha que lindo, Riba!
- Lindo o que?
- O prato.
- O prato é lindo, mas o que tem dentro tá feio. Pouco pra dedéu!
- Riba, isso é só a entrada, é pouco mesmo, mas a decoração é linda!
- Tá, é linda, minha fome também é linda, é tudo lindo... Parece o Caetano!
- Não enche!
- Pronto, acabei. Vou pedir pro cara trazer o meu rango logo.
- Calma, a péce da registrance já vem, e de mais a mais ele não vai trazer enquanto eu não terminar.
- Até você com esse francês agora? Então anda logo!
- Tem que aprender, né?
- Já acabou de comer esse pinto?
- Tô acabando, e não é pinto, é pulê. E de mais a mais é chique comer devagar.
- Chique!... Agora vou ter que aturar isso, tudo tem que ser chique...
- Ah, faz um esforço, meu bem. Procura olhar as pessoas em volta, presta mais atenção nas novelas...
- Que novela, mulher, põe a cabeça no lugar! Acho que esse dinheiro te pirou. Acabou?
- Acabei.
- Garçom, vem cá!
- Olha a grossura, Riba... E não é garçom, ele é métre, já te falei!
- Pois não, senhor.
- Pode tirar aqui e trazer o resto da comida.
- Pois não, senhor.
- Ah, uma coisa: qual é seu nome? Eu me enrolo todo com esse negócio de mitre, garçom... Prefiro te chamar pelo nome.
- Meu nome é Ribamar, senhor.
- Xará! Vai dizer que é maranhense também?
- De São Luís, senhor.
- Sabia! Essa corzinha, essa cabecinha...
- Meu bem, deixa o métre trabalhar...
- Tá bom, vai lá conterrâneo!
- Com sua licença, senhor.
- Tinha que dizer das suas, né Riba?
- Das minhas o que?
- Chamar o métre de xará, dar intimidades...
- Intimidades? Só porque chamei o cara de conterrâneo e xará?
- Tá, esquece. Os pratos vêm aí.
- Ôba! Já tô com o bucho dando nó.
- Com licença, senhora, seu peixe.
- Obrigada.
- Com licença, senhor, sua carne de caça.
- Meu viadinho? Maravilha!
- Bom apetite.
- Falou xará!
- Riba...
- Que foi Regina?
- Pára de olhar pra perua aí do lado e vê só o tamanho do prato.
- Já vi, é grande, né?
- Riba, pára de olhar e vê só a quantidade de comida que veio...
- Puta merda!
- Shhhhh! Menos...
- Menos é o cacete! Esses caras tão pensando que eu sou passarinho?
- Tá pouco, né Riba?
- Pouco? Só pode ser sacanagem!
- Espera, pode ser que venha mais.
- Que mais que nada, essas titicas já vieram no prato!
- Vai ver que a gente pode repetir!
- Vou perguntar: ô conterrâneo, chega mais!
- Pois não, senhor?
- Xará, a gente pode repetir a comida?
- Senhor, as quantidades são essas que vêm servidas, se o senhor quiser repetir, o prato será computado na nota.
- Ô cara, como é que um maranhense como você trabalha numa birosca dessas? Você enche seu pandulho só com isso? Hem? Responde xará!
- Senhor, não posso fazer nada. São as normas da casa.
- Normas porra nenhuma, isso aqui é um assalto mesmo. Traz a nota e rápido!
- Mas o senhor não vai nem provar o prato?
- Já provei! Tem gosto de bosta de gato.
- Benhê, você já comeu bosta de gato?
- Num sacaneia você também! Traz a nota, xará.
- Desculpe, senhor, com licença.
- Tem toda.
- Que coisa né, bem? Nem eu que como pouco acreditei.
- Você come pouco? Só rindo! Bem que eu falei que era a maior furada vir aqui. E agora? Tô com fome...
- Benhê, promete que não vai me gozar se eu sugerir uma coisa?
- Vai lá, prometo.
- Vamos lá no Rancho Novo comer aquela dobradinha do Severino? Hoje é dia...
- Chupeta! Até que enfim você disse alguma coisa que preste, fechado!