terça-feira, 9 de agosto de 2011

Gravidade

- Eu tentei, juro que tentei.

- É, mas não o suficiente. Força um pouco. Para de olhar pra cima e olha em frente.

- É fácil falar, mas não consigo. Há uns 25 anos eu faria tranqüilo, mas hoje, só em pensar, me dá medo.

- Mas medo de que, exatamente?

- Do que vem de cima. A lei da gravidade ainda não foi revogada, sabia?

- Por que então você não anda por baixo das marquises?

- Enlouqueceu? Sei lá se são bem-feitas! Não conheço a estrutura delas e nem as idades. Pode haver fadiga de material, falha no projeto ou até mesmo negligência do construtor. Não vê o caso do prédio do Naya? Vai por mim que a coisa é séria.

- Estou vendo... Mas será que não dá pra você pelo menos olhar pra mim enquanto fala?

- E se cair alguma coisa, quem vai ver?

- Cair de onde? Nós estamos bem na beira da calçada e não tem nada acima das nossas cabeças!

- Ah, sempre aparece! Numa briga de marido e mulher, por exemplo, a mulher, que é sempre ruim de mira, vareja um prato na cabeça do marido, erra, o prato voa pela janela e vem cair bem nas nossas cabeças. Se eu não estiver de olho, olha a lambança feita!

- Delirante! É o único adjetivo que encontro no momento pra te descrever. Você conhece estatística? Sabe qual é a probabilidade de acontecer isso?

- Eu sei, quase nenhuma, mas estatísticas trabalham com médias, o que não quer dizer que a probabilidade não exista, e médias não são confiáveis.

- Por quê?

- Veja um exemplo que um político deu uma vez: um cara que está com a cabeça no freezer e as pernas no forno tem sua temperatura média normal, mas na prática ele vai morrer!

- Um sofisma barato!

- É verdade, mas eu prefiro ele a acreditar em probabilidades. Falando nisso, você sabe que no ano passado morreram 55 pessoas atingidas por cocos nos Estados Unidos? Morreu mais gente de cocada que em corridas de carros.

- Tá brincando?

- Sério!

- Alguma vez caiu alguma coisa na sua cabeça? Um vaso, uma lata de tinta...

- Nada, mas eu não dou mole! Fico de olho. Aliás, um dia eu estava indo à casa de uma namorada, e a medida que me aproximava do prédio, um certo vozerio ia aumentando de volume sem que eu descobrisse de onde vinha. Naquela época eu ainda não olhava pra cima. Quando cheguei bem em frente ao prédio, bum!, uma velha caiu a meio metro de mim, era a avó da menina que, já meio chegada a um Alzheimer, se jogou da marquise.

- Ela morreu?

- Não, mas se quebrou toda. Quem quase morreu fui eu, de susto. Acho foi que depois desse episódio que eu fiquei assim.

- Tá explicado!

- Pensei até em processo por tentativa de homicídio, mas depois...

- Cuidado!

- O que foi? Cuidado com que?

- É tarde, você pisou na bosta...